Até pouco tempo atrás quando falava-se de cinema brasileiro lá fora éramos reconhecidos basicamente pelos filmes de favela. Aos poucos, o mundo foi percebendo que nosso país é capaz de produzir obras de qualidade com os mais variados temas, com as mais variadas abordagens. Este mais recente trabalho de Kleber Mendonça Filho reforça essa tendência. Não foi à toa que crítico americano A. O. Scott do NY Times, colocou O som ao redor na 9ª posição em sua lista de melhores de 2012, na frente de sucessos como Argo e Moonrise Kingdom.
O roteiro de O Som ao redor foge do convencional, afinal não há um começo, meio e fim protocolares. As duas tramas principais são bem amarradas, com desfechos que surpreendem de maneira positiva e dolorosa, mas a ideia básica é elaborar um retrato crítico da classe média alta brasileira. O cenário é uma rua do Recife, mas poderia ser qualquer cidade grande do Brasil e até do mundo.
Bia é uma dona de casa depressiva cujo sono é interrompido diariamente pelo barulhento cachorro do vizinho. João é um corretor de imóveis que trabalha para o vô, dono de quase todos os apartamentos da região. Clodoaldo é o chefe de um grupo de segurança privada que oferece seus serviços para os moradores da rua.
A partir desses três personagens a história se desenvolve, sem pressa e com uma riqueza de detalhes que impressiona.
Com um olhar clínico, o diretor disseca a rotina e expõe os medos, angústias e preconceitos desse verdadeiro microcosmo da sociedade. Isso tudo é exposto das mais diversas formas, como em uma reunião de condomínio que decide o futuro de um porteiro que não consegue mais fazer o seu trabalho direito, uma dona de casa que fuma maconha, escuta Queen no último volume e usa a máquina de lavar roupa para sentir prazer (!), uma mulher que trata um guardador de carros com uma indiferença agressiva e por aí vai.
Kleber Mendonça Filho injeta doses de suspense de maneira magistral, criando uma atmosfera que beira ao terror psicológico. Com um estilo que remete a John Carpenter, inclusive devido a trilha sonora, o diretor extrai tensão de situações rotineiras, como um carro preto andando devagar na madrugada silenciosa ou um mergulho à noite em um mar agitado com avisos sobre tubarões.
Um dos pontos mais interessantes é relação feita entre os dias de hoje e o passado. As fotografias do engenho no começo do filme são um indício do que vem pela frente. É triste e revelador o fato de que muitas mazelas do Brasil colônia ainda persistem. Os coronéis estão por aí, assim como a exploração das camadas mais baixas da sociedade. Não dá para dizer que as coisas não melhoraram, mas ainda não o suficiente.
Os pequenos detalhes ganham uma enorme dimensão e fazem O som redor ser tão bom. Ele mostra tanta coisa que uma segunda assistida é essencial para que tudo seja absorvido, algo que não vejo a hora de fazer.
9/10
É isso, o filme é tão bom pelos detalhes, pelo conjunto da obra, pela forma como nos envolve.
exatamente… além do que eu falei, tem ainda todo o lance da edição de som deixando a experiencia ainda mais interessante
Ainda não tive oportunidade de ver esse filme, mas posso dizer que estou ansioso. Assim que puder, verei. Ótimo texto!
se aparecer no cinema da tua cidade aproveite… e quero ler a critica depois!!
valeu!
Candidato fortíssimo para a lista de melhores do ano (sei que foi lançado nas salas de arte em 2012 mas no circuito oficial foi em 2013).
Que filme. E como sofre essa classe média hehehe